sexta-feira, 22 de abril de 2011

Até hoje, fui sempre futuro



"Não foi por acaso que o meu sangue que veio do Sul
se cruzou com o meu sangue que veio do Norte.
Não foi por acaso que o meu sangue que veio do Oriente
se cruzou com o meu sangue que veio do Ocidente.
Não foi por acaso nada de quem sou agora.
Em mim se cruzaram finalmente todos os lados da terra.
A Natureza e o Tempo me valeram: séculos e séculos
ansiosos por este resultado um dia
e até hoje fui sempre futuro.
Faço hoje a cidade do Antigo
e agora nasço novo como ao Princípio:
foi a Natureza que me guardou a semente
apesar das épocas e gerações.
Cheguei ao fim do fio da continuidade
e agora sou o que até ao fim fui desejo:
o Centro do Mundo já não é o meio da terra
vai por onde anda a Rosa dos Ventos
vai por onde ela vai
anda por onde ela anda.
Agora chego a cada instante pela primeira vez à vida
já não sou um caso pessoal
mas sim a própria pessoa."

Almada Negreiros - Rosa dos Ventos

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Uma vez mais "O Principezinho"

Abri ao acaso o livro do Principezinho, ou se calhar até nem foi ao acaso, afinal de contas o Facebook não pode servir só para dizer disparates ou para cuscar a vida alheia. Como rotina diária, enquanto aguardo a chegada dos "meus Pimpolhos", abri a aplicação das frases do Principezinho e como quase sempre deu-me vontade de o ler (mais uma vez....a milionésima quarta vez :D), e desta vez ao acaso mesmo, abri o livro e li a passagem dessa página, e a seguinte... e tal como acontece cada vez que o leio, fez-me pensar e relembrar o porquê deste ser o meu livro preferido. De facto "Nunca se está bem onde se está", queremos sempre algo mais, às vezes até nos esquecemos de olhar em volta e ver como pode ser bonito tudo o que nos rodeia. Tanta vez perdemos tempo a procurar a felicidade quando ela pode estar mesmo ao nosso lado e nós nem a vemos porque estamos demasiado ocupados a procurar por ela...
O Principezinho tem razão, "Só as crianças sabem do que andam à procura"...
Deixo-vos então as duas passagens que li hoje, para que também vocês fiquem cheios de vontade de ser criança para sempre, como eu :D


XXII

- Olá, bom dia! - disse o principezinho.
- Olá, bom dia! - disse o agulheiro.
- O que estás aqui a fazer? - perguntou o principezinho.
- Faço pacotes de passageiros. Cada pacote leva mil - disse o agulheiro. - Faço a expedição dos comboios que os transportam, uns para a direita, outros para a esquerda...
E um rápido iluminado, a rugir como um trovão, fez tremer a cabina do agulheiro.
- A pressa com que eles vão! - exclamou o pricipezinho. Andam à procura de quê?
- Nem o próprio maquinista sabe - disse o agulheiro.
E passou outro rápido, a rugir, em sentido inverso.
- Já estão de volta? - perguntou o principezinho.
- Não são os mesmos - respondeu o agulheiro. É uma troca.
- Mas não estavam bem onde estavam?
- Nunca se está bem onde se está - disse o agulheiro.
E rugiu o trovão de outro rápido iluminado.
- Estes andam atrás dos outros? - perguntou o principezinho.
- Não, não andam atrás de nada - disse o agulheiro. - Vão dentro do comboio a dormir ou então a abrir a boca. Só as crianças é que vão de nariz esborrachado nas janelas...
- Só as crianças sabem do que andam à procura - disse o principezinho. - São capazes de perder tempo com uma boneca de trapos que, por causa disso, passa a ser muito importante para elas. Se alguém lha tira, desatam a chorar...
- Que sorte têm as crianças! - disse o agulheiro.

XXIII
- Olá, bom dia! - disse o principezinho.
- Olá, bom dia! - disse o vendedor.
Era um vendedor de comprimidos para tirar a sede. Toma-se um por semana e deixa-se de ter necessidade de beber.
- Andas a vender isso porquê?- perguntou o principezinho.
- Porque é uma enorme economia de tempo - respondeu o vendedor. - Os cálculos foram feitos por peritos. Poupam-se cinquenta e três minutos por semana.
- E com esses cinquenta e três minutos faz-se o quê?
- Faz-se o que se quiser...
«Eu», pensou o principezinho, «eu cá se tivesse cinquenta e três minutos para gastar, punha-me era andar muito calmamente à procura de uma fonte.»

in Principezinho - Antoine de Saint- Exupéry