domingo, 30 de dezembro de 2012

Vou pensando...em ti

 Vi este texto num blog... sem dúvida que não conseguiria dizer melhor....
 
"Hoje estou a pensar em nós, não sei porquê, de repente todas as lembranças acordaram dentro de mim, quando o mais lógico seria esquecer, seria apagar-te do livro do meu coração. Mas, de repente, comecei a pensar, não sei o que provocou isso, talvez tenha sido uma rosa triste que vi morrer no vaso. O chão ficou cheio de pétalas mortas, desfeitas, como se fosse lágrimas vermelhas que a flor chorou ou talvez o pôr-do-sol bonito que vi, nada restou... nada...
 
Eu pensei que ia continuar a viver, como antes de entrares na minha vida, mas hoje compreendo que tu ficaste em mim, ficaste na minha vida. Penetras-te com força no meu sangue e no coração batendo forte e vira dentro de mim, como se fosse uma presença extra-sensorial, como se fosse um ser ligado misteriosamente a mim, por laços reais que não vemos, mas sentimos. Sinceramente eu não sei mais o caminho que vou seguir, vou tentando esquecer-te, mas torna-se difícil.
 
Vieste para a minha vida como um pouco de brisa que vem para a tarde quente de verão, vieste simplesmente. Apareceste como um pouco de beleza que eu jamais sonhara ver e que de repente surgiu. Não quero nada alem de ti, tu de hoje, de agora e de sempre. Pensei que amar fosse apenas desejo, contacto de lábios, de corpos, de mãos, aprendi que o verdadeiro sentimento vem de dentro. Das profundezas da alma e do fundo do coração.
 
Estou só e por isso analiso o que sinto por ti, analiso esta ansiedade, esta vontade imensa de ver-te, de apertar-te nos meus braços, de sentir a tua presença, de ouvir as tuas palavras e ver a tua alma debruçada nesses olhos que são toda a luz da minha vida. Retrocedi pelo meu caminho e pensei que estava na hora de recomeçar a viver, mas senti que não estava só, tinha comigo a sombra da saudade a seguir-me falando-me de ti, falando-me de nós e por isso estou a pensar em ti nesta noite vazia e fria, mas cheia de saudade.
 
Estou a pensar em nós que fomos algo e hoje não somos nada. Apenas dois estranhos, dois estranhos separados. Estou só e continuarei só. É como se a vida tivesse perdido o sentido, como se o adeus tivesse matado em mim o que eu tinha de mais nobre, de mais belo que era a capacidade de amar. Nada restou para mim restando-me apenas o conteúdo de saudade. Só esta vontade, imensa de apertar-te nos meus braços. Não sou ninguém sem ti, chego a essa conclusão. Estou perdido dentro de mim mesmo e assim ficarei se não voltares! Por mais que tente não consigo esquecer-te."
 
in http://amoutela.blogs.sapo.pt/3855.html?view=273679#t273679

sábado, 29 de dezembro de 2012

(R)escrever-te


            

            Uma vez mais, escrever-te….
Não sei muito bem como se escreve uma carta a alguém que vive dentro de nós… Mas preciso escrever para te libertar de mim. Começa a pesar demais e eu não estou a conseguir suportar o peso.
Porque é que insistes em voltar se na verdade não queres ficar?
Não consigo entender. Porque me dizes que me queres? Porque me fazes sonhar? E porque continuo eu a acreditar e a sonhar?
Preciso de respostas. Dói. Dói demais.
Porquê? Eu só queria um sorriso, um olá… talvez uma mentira, Não importa, é triste, mas não importa, desde que estivesses aqui. Desde que me olhasses daquela forma que só tu sabes olhar. Que me tocasses como só tu me tocas… e o teu abraço…  aquele abraço que me faz sentir que fazes parte de mim.
A tua voz ecoa na minha cabeça como um veneno que me corrói, Eu preciso tanto de ti. Desculpa, desculpa não saber viver sem ti.
Eu juro que acreditei que fazias parte do passado, mas continuas mais presente que todos os que vejo à minha volta. Desculpa.

Minda

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Eu Sou do Tamanho do que Vejo

Hoje, durante um "passeio" matinal pelas ruas agitadas de Lisboa, vi esta frase grafitada numa parede. Impressionante como ainda me consigo surpreender com a grandeza deste senhor. Senti-as tão minhas, na minha pequenez... Partilho:



'Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.

Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.'

 
Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema VII"

terça-feira, 24 de julho de 2012

Divagar pelo pensamento



Hoje acordei com vontade de escrever, falar ao mundo...o que não deixa de ser controverso uma vez que não sei o que dizer. 
Podia falar do céu, das flores, dos pássaros, que me prendem o olhar e me roubam sorrisos... Podia falar do mar que me acalma, da noite que me completa, ou do riso das crianças que me faz feliz. Mas ainda assim não chegaria. Quero falar mais, quero dizer mais, quero mais! 
Mas o que quero eu? Não sei, e poderia perder-me horas pelo meu pensamento e não chegaria ao fim da lista dos meus desejos. 
Louca? Sim, sou! E acho que só os loucos, como eu, me poderão entender! E porquê? Talvez porque acredito no poder dos sonhos, e tenho tantos! Se calhar era dos sonhos que vos queria falar, mas o que posso eu dizer sobre sonhos? Muito pouco...afinal sou apenas uma pequena formiguinha na imensidão de um deserto (na verdade nem sei se há formigas no deserto, mas ia escrever oceano e achei que as formigas não devem ser muito boas nadadoras), mas posso pedir-vos que nunca deixem de sonhar, e que lutem pelos vossos sonhos com todas as vossas forças, e principalmente, acreditem e mantenham o vosso coração bem aberto, nunca se sabe quando a magia pode acontecer!
Já agora, aproveito deixo mais uma partilha, de alguém que percebe muito mais das letras do que eu :)

"Dever de Sonhar

Eu tenho uma espécie de dever, dever de sonhar, de sonhar sempre,

pois sendo mais do que um espectáculo de mim mesmo,
eu tenho que ter o melhor espectáculo que posso.
E, assim, me construo a ouro e sedas, em salas
supostas, invento palco, cenário para viver o meu sonho
entre luzes brandas e músicas invisíveis
."
Fernando Pessoa

sábado, 21 de abril de 2012

Levanta dessa cama garota

Este texto foi-me enviado por um amigo muito especial. Um amigo de longa data. Daqueles que nem sempre estão presentes na nossa vida, mas que quando precisamos deles estão sempre lá, um amigo de verdade. Obrigada por tudo Fábio! E posso dizer-te para seguires o mesmo conselho: Sê forte. Sê feliz, meu amigo, e quero que saibas que também eu estarei sempre aqui para ti, como tu estás para mim.

"Levanta dessa cama garota. Anda! Sei que tá doendo, mas levanta. Coloca uma roupa. Passa a maquiagem. Arruma esse cabelo. Ajeita a armadura. Segura o coração. Sai por aquela porta. Enfrenta o vento. Sorri pro sol. Segura o coração. Olha pra ele. Passa reto. Não caia. Não caia. Engole o choro. Finge de morta quando ele falar com você. Seja fria. Continue andando. Enfrente seus problemas de cara. Reaja. Vai. Tá pensando que é só você que sofre? Tá enganada. Anda menina. Para de ser infantil. A culpa não é de ninguém…Se apaixonou agora segura. Anda. Seja forte. Seja feliz. Seja uma mulher."
                                                                                                                                 Caio Fernando Abreu. 

quarta-feira, 4 de abril de 2012

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Como é que se Esquece Alguém que se Ama?

Poderia dizer muita coisa sobre este post, mas acho que já está tudo dito mais à frente.
Em conversa com um amigo lembrei-me que tinha lido isto uma vez e tinha feito bastante sentido. Hoje decidi recordá-lo. Não porque esquecer alguém seja um objectivo neste momento. Talvez devesse ser, mas primeiro tenho de convencer a minha cabeça que é isso que o meu coração quer... apesar dos constantes pedidos de ajuda que ele tem feito, ela não está muito tentada a ajudá-lo. De qualquer forma fica a dica "Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo."



"Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?

As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.
É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.
Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.
Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.
O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar. "

Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'

sexta-feira, 30 de março de 2012

A pequena criatura sereica

Recomendaram-me este livro e eu achei fantástico, obviamente não podia deixar de partilhar um pedacinho para vos abrir o apetite. Espero que gostem.


"Lá muito longe da terra, afastado da orla costeira e dos efluentes de pestilentas cidades e explorações agrícolas,havia um habitat diferente de qualquer outro que no mundo existisse. Abaixo da superfície do oceano, as plantas cresciam em cachos de rosa, vermelho e amarelo, e as longas herbáceas ondulavam suavemente ao sabor da corrente. Por entre as plantas nadava uma multidão de coloridos peixes, crustáceos e artrópodes, num exemplo espantoso de saudável cadeia alimentar. E no meio desta vida esfuziante florescia outra espécie de criaturas, que constituía uma corporização incomparável e magnífica de biodiversidade: as criaturas sereicas.
As criaturas sereicas tinham um rei e o rei tinha sete filhas, todas elas corporizando de algum modo os padrões de atractividade então vigentes. Mas, de todas, a que melhor os representava era a mais nova, que se chamava Calpúrnia, mas usava um diminutivo - Kelpie. Era uma jovem e alegre cidadã dos mares e tinha a voz mais maviosa que os habitantes do mar alguma vez ouviram. Ela e as irmãs eram muito unidas e todas passam muitas horas a recolher materiais recicláveis e a sabotar sonares de barcos baleeiros.
As sete princesas adoravam que a avó lhes contasse histórias, principalmente sobre misteriosas gentes que viviam acima do nível da água. A avó falava-lhes dos navios mercantes que por ali passavam, das florestas e campos enxameados de estranhas criaturas, das cidades fervilhantes de actividade e apinhadas de pessoas. As princesas não faziam a mínima ideia de como seriam esses lugares. Todas elas se riam quando a avó lhes contava como a gente da terra se deslocava de um lado para o outro em cima de instáveis andas rosadas (aqueles que se encontravam temporariamente capazes, evidentemente) com umas patuscas coberturas nas pontas para evitar o desgaste das andas. A avó bem lhes recomendava que não se rissem de quem teve a infelicidade de nascer sem barbatanas, mas as princesas meneavam os seus longos rabos e perguntavam-se como conseguiam os terráqueos enfrentar o espelho.
Quanto mais histórias ouviam, mais curiosas as irmãs ficavam. Mas a tradição marinha proibia-as de nadar até à superfície antes dos 15 anos de idade. Este costume não lhes agradava nada, mas, a bem da harmonia cultural, optaram por obedecer a este restritivo rito de passagem.
Sendo a mais nova da família, kelpie via as irmãs nadarem até à superfície no dia do respectivo 15.º aniversário e regressarem com histórias de espantar. Uma delas era relativa ao modo como os humanos viviam obcecados com a construção de máquinas que lhes poupassem trabalho, para a seguir gastarem montes de dinheiro em clubes especiais que lhes proporcionavam o privilégio de manterem os músculos em actividade. Outra falava de como faziam grandes buracos nas suas maiores árvores, para poderem analisar de perto a natureza sem deixar o conforto dos seus trenós metálicos que cospem fumo. Outra, ainda, contava que as pessoas construíam dispendiosas máquinas electrónicas que ajudavam a cantar em estranhos e sombrios lugares chamados bares karaoke.
Mas a pequena sereia estava apenas moderadamente interessada em saber como respirava a outra metade do mundo. Bastava-lhe explorar o seu mundo húmido, mas seguro, brincar com os peixes e outros cidadãos marinhos e ganhar confiança crescente na sua sereicidade.
Até que chegou a data do seu 15.º aniversário, pelo que Kelpie ia finalmente ter a oportunidade de ver o mundo à superfície e encetar um intercâmbio cultural sem reservas. Dado que este rito de passagem era tão importante, dum ponto de vista sociológico, como a sua puberdade em geral, as irmãs e a avó desdobraram-se em cuidados com ela. Kelpie até nem era muito frívola, mas deixou que a família a enfeitasse com algas vermelhas, coral fosforescente e brilhantes conchas de ostra (sempre, obviamente, com o consentimento das ostras). Afinal de contas, eram poucos os rituais a que os elementos femininos do povo sereico pudessem chamar seus.
Coberta dos seus ornatos, a pequena sereia nadou do seu palácio em direcção à superfície. À medida que subia, o Sol ia ficando mais brilhante e amarelo, mas a água ia ficando mais suja e cheia de lixo. Quando, finalmente, irrompeu à superfície, pela primeira vez na sua vida sentiu que estava a precisar de um banho.
Nossa, fora de água há tanto barulho! pensou ela de si para consigo. Eram motores a roncar, buzinas a tocar, pessoas a berrar e água a chapinhar numa terrível barulheira. Quando procurava a origem daquela algazarra, rodou e viu atrás de si um enorme navio cuja tripulação disparava potentes mangueiras de água contra um grupo de homens barbudos que iam num pequeno barco de borracha. O navio grande exibia enormes redes, guindastes e aprestos e os barbudos pareciam guiar o bote directamente para a sua rota. Kelpie assustou-se com aquele espectáculo, mas só se apercebeu que se tratava de uma luta de vida ou de morte quando um dos homens do bote se levantou e foi atirado ao mar pelo jacto forte duma mangueira.
Altruísta como sempre, Kelpie mergulhou sem hesitações e nadou para salvar o homem, que esbracejava e gritava na água. Veio de baixo e agarrou-o quando ele já começava a afogar-se. Quando voltaram à superfície, o homem olhou para a sua salvadora e mal queria acreditar no que os seus olhos viam.
«Estou morto, ou apenas doido?», perguntou.
«Claro que não estás morto». respondeu ela, «mas, quanto à tua saúde mental, preferia deixar o diagnóstico para um profissional qualificado.»
«Mas tu és... tu és uma sereia!»
«Ouve lá. ó bruto», disse ela, já com as escamas das costas a eriçar-se. «Fazes mais um comentário machista e vais para casa a nado.»
«Não! Desculpa, foi sem pensar!»
«'Pessoa Sereica' é a expressão correcta», advertiu Kelpie, «embora, a meu ver, sobrevalorize a parte humana da nossa morfologia em detrimento da parte píscea. É um assunto que continua em aberto.»
A pequena sereia observava com atenção aquela estranha criatura. Tinha o cabelo mais espesso numas partes do que noutras, mas, ao contrário do da lontra ou do elefante-do-mar, não era suficiente para mantê-lo quente ou a boiar, além de que tinha uma enorme carência de gordura. O seu mal-estar estava bem patente no tom roxo que os lábios estavam a tomar.
«Tenho de te levar de regresso à terra antes que fiques gelado», disse Kelpie. «Mas diz-me uma coisa: porque te atiraram aqueles para fora do teu barco?»
«Estávamos a protestar contra a pesca com redes de arrasto, e aquele arrastão russo achou que podia fazer de nós o que quisesse, por estarmos em águas internacionais. mas nós gravámos tudo em vídeo e agora vamos tramá-los.»
Ela pensou com os seus botões: «Que frase tão estranha, 'águas internacionais'». e a seguir disse para o barbudo: «Os vossos esforços são muito louváveis, mas olha que tu ias servindo de carne para tubarão!»
Ele olhou-a nos olhos com ar sonhador. «Agora nada disso interessa. Tu és a criatura mais linda que eu jamais vi.»
«Ora, deixa-te de disparates!»
«Como é que te chamas? Eu chamo-me Dylan.»
«O meu nome é Calpúrnia, mas os amigos tratam-me por Kelpie.»
«A tua beleza e delicadeza deixam-me rendido, Kelpie. Eu amo-te. Quero ficar contigo para sempre.»
«Não ia dar certo. Estás a ver, já estás a ficar com os dedos roxos.»
«Mas, se não posso ficar aqui, porque não vens tu viver comigo? Posso fazer umas obras em minha casa, construir uns recifes e umas quedas de água. E até podia apresentar-te ao Phillipe Cousteau - que é homem para fazer de ti uma estrela.»
«Corta essa, ó sem-barbatanas», disse ela, já a ficar brava. »Vocês, respiradores de ar, são mesmo convencidinhos, não são? Tu não me amas nada. Tu queres é exibir-me diante dos teus amigos. «Estais a ver como eu sou um tipo eco-amigo? Agora vivo com uma pessoa sereica!» Por que carga de água ia eu querer ingressar no teu aquário privativo? Até parece que já estou a ouvir as piadas: «Onde é que se arranja isco desse?»; «Adoro um rabinho»; «Ei gostosa, vamos badanar os dois?» Esquece, menino Greenpeace. Eu não sou nenhum troféu que tu roubes ao mar e mandes emoldurar.»
Perante isto, o habitante da superfície ficou sem palavras. Os dentes matraqueavam-lhe e os olhos dilatavam-se-lhe à medida que se aproximava dos estádios mais avançados de hipotermia. Apesar da atitude terracêntrica dele, a sereia apiedou-se de Dylan na sua posição de primata-fora-de-terra e nadou para a costa o mais depressa que foi capaz. Entretanto, os homens que tinham ficado na jangada de borracha conseguiram com êxito deter o arrastão russo entalando a jangada nas hélices e provocando a explosão de uma caldeira a bordo, que atirou com a tripulação do arrastão e os ecoguerreiros para uma sepultura aquosa, mas louvável.
A pequena sereia, fazendo gincana por entre redes de arrasto e navios de cruzeiro gigantesco e turbulentos, procurou um bocadinho de praia deserta para onde pudesse devolver o homem. Mas proliferação de empreendimentos imobiliários costeiros e lacustres tornava tal objectivo praticamente impossível. Até que, finalmente, lá encontrou uma enseada rochosa com um pequeno areal. Antes que o homem recuperasse os sentidos, Kelpie afastou-se a nado, para não ter de suportar mais cenas emocionais, imperialismo cultural, ou arquétipos da escola Jung.
Regressada a casa, contou as suas aventuras de superfície à família sereica. Claro que omitiu a confissão de amor de Dylan e as suas ideias de vida em comum, que (quanto ela mais pensava nisso mais se convencia) só iria trazer grandes sacrifícios para ela e numerosos benefícios para ele. Além do mais, Kelpie achava a ideia, no seu todo, bastante repugnante. A sua família aplaudiu os seus esforços altruístas e heróicos.
Passaram alguns meses e a pequena sereia praticamente não pensou no homem que tinha salvo. Estava demasiado ocupada com as suas lições de música e com o seu jardim de algas para pensar numa relação com alguém que usava roupa e caminhava sobre dois pés.
Um dia, um mensageiro do castelo nadou até junto de Kelpie, que estava no jardim, e sem fôlego anunciou que a sua presença na corte era requerida imediatamente. A tentar imaginar de que se trataria, largou a nadar para a corte. Aí encontrou a sereia mãe, as sereias irmãs e muitos conselheiros reais e penetras. E diante do rei sereio nadava uma estranha criatura cor-de-rosa - gorda, com uma armadura e a forma de uma tarte.
«Aproxima-te, minha filha». entoou o rei sereio num tom adequadamente majestático. «este visitante pede uma entrevista contigo.» Quando o estranho se virou, o queixo de Kelpie quase bateu no chão. Era Dylan, o ecodefensor que ela tinha salvo de morrer afogado!
«Salve, Kelpie», disse ele.
«Dylan! Mas o que... aconteceu ao resto de ti?», perguntou ela.
«Fui operado para me transformar numa criatura do mar. É espantoso o que eles já fazem com a manipulação genética.»
«Mas em nome de Posídon, porquê
«Para provar a sinceridade da minha devoção e amor por ti, evidentemente.»
»Não é isso, o que eu quero saber é porque optaste por ficar metade homem e metade gamba
Dylan suspirou: «É uma história comprida, que mete restrições governamentais à investigação, compatibilidades de cromossomas, etc. Mas uma coisa te quero dizer: gosto muito da minha nova casca e das minhas antenas. Repara, agora leio dias páginas dum livro ao mesmo tempo!» E demonstrou os seu novos talentos oculares para todos os presentes.
«Mas sacrificaste a tua pessoalidade», disse Kelpie. «E a tua família e amigos?»
«Para que preciso eu deles? Cambada de primatas. Sempre me senti melhor no oceano, só que agora estou mesmo dentro do oceano. hoje, ao ver-te aqui na água salgada, amo-te mais do que nunca.»
«Estou muito sensibilizada. Eu... eu não sei que te diga!», balbuciou, profundamente cativada pelo grande e altruísta sacrifício dele.
Dylan virou-se de novo de frente para o troo e assumiu toda a dignidade que a sua forma volumosa lhe consentia.
«Majestade, permite-me que peça em casamento a mão da vossa filha.»
O rei sereio respondeu, majestoso: «Que espécie de organização sexista pensas tu que isto é? Pede-lhe a ela, camarão.»
Ele virou-se para a pequena sereia e perguntou: «Calpúrnia, queres casar comigo?»
Que podia Kelpie dizer senão sim? Podia ter dito que não, que queria continuar os estudos e seguir uma carreira. Podia ter dito que não, que não estava de acordo com o melhoramento científico das espécies ou sua modificação. Podia ter dito que não, que era alérgica a marisco. Podia ter dito que não por um milhar de razões diferentes, mas felizmente disse que sim.
Kelpie e Dylan casaram logo a seguir e deram ao mundo uma bela prole. Poucos anos volvidos, Kelpie começou a participar mais nos negócios de estado,cantando de vez em quando para deleite dos amigos do casar. Dylan, por seu turno, prosseguiu as suas actividades de ecodefesa, agora debaixo de água. E, embora a sua vida em comum nem sempre fosse um mar de corais, sempre ensinaram o produto da sua desova a ser feliz e a sentir orgulho na sua herança multicultural, multigenética."

in Contos de Fadas Politicamente Correctos (James Finn Garner)






quarta-feira, 21 de março de 2012

Quando estou só reconheço


Quando estou só reconheço
Se por momentos me esqueço
Que existo entre outros que são
Como eu sós, salvo que estão
Alheados desde o começo.

E se sinto quanto estou
Verdadeiramente só,
Sinto-me livre mas triste.
Vou livre para onde vou,
Mas onde vou nada existe.

Creio contudo que a vida
Devidamente entendida
É toda assim, toda assim.
Por isso passo por mim
Como por cousa esquecida.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Escrever-te



Há já vários dias que luto contra a vontade de escrever, porque sei que a partir do momento em que os sentimentos passam para o papel não há volta atrás. Deixam de pertencer ao mundo do sonho e passam a ser a ser reais. Mas tudo o que sinto tornou-se mais forte. Mais forte que a minha vontade, mais forte que eu.

Na verdade não sei muito bem o que se passa. Acho que julguei como certa a tua presença na minha vida e afinal estava errada. Nada é certo na nossa vida. Nada nos pertence definitivamente. E também tu foste uma passagem pela minha vida. Uma página bonita do meu livro, que de repente deixaste de querer escrever. Penso em mil razões que te tenham feito desistir. Será que foi a história? As ilustrações? Tantas coisas passam pela minha cabeça durante o dia, mas nenhuma me traz a resposta. Porque essa, só tu a tens…

Decidi que te iria dar tempo. Para quê? Não tenho a certeza. Não sei se para perceber se te faço falta, ou porque acreditava que irias sentir a minha falta e voltar. Mas não voltaste. Continuas aí nesse mundo que eu não conheço, onde não pertenço.

Mas eu sinto a tua falta! Mais do que alguma vez imaginei ser possível. Mas vou limitar-me a esperar por ti, embora nem tenha a certeza se é isso que queres, mas não sei fazer diferente. Pelo menos, não agora, não neste momento em que a tua presença ainda está tão viva no meu pensamento. Não, quando és o meu primeiro pensamento do dia. A pessoa que procuro quando ligo o computador, ou a mensagem que aguardo sem sucesso…

Vou esperar, porque é isso que faz quem vive de sonhos, e eu sempre fui uma sonhadora… mas não te sintas pressionado, isto não é uma exigência nem um pedido. Também não sei que nome lhe dar, um desabafo, uma confissão… Não sei, mas também não importa. A partir de agora é tua, faz dela o que quiseres!

Com carinho…

Minda

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Esperar


Espero-te por aí, num qualquer cruzamento entre a minha rua e a tua....

"Quando se ama alguém, tem-se sempre tempo para essa pessoa. E se ela não vem ter connosco, nós esperamos. O verbo esperar torna-se tão imperativo como o verbo respirar. E aprendemos a respirar na espera, a viver nela, aperfeiçoando-nos um sonho como se fosse verdade. A vida transforma-se numa estação de comboios e o vento anuncia-nos a chegada antes do alcance do olhar. O amor na espera ensina-nos a ver o futuro, a deseja-lo, a organizar tudo para que ele seja possível. E se calhar é por tudo isso que já aprendi a esperar, confiando à vida tudo o que não sei, ou não posso escolher. É mais fácil esperar do que desistir. É mais fácil desejar do que esquecer. É mais fácil sonhar do que perder. E para quem vive a sonhar, é muito mais fácil viver."

in O diário da tua ausência Margarida Rebelo Pinto